Para
aqueles que, como eu, admiram pinturas e textos, inspirada pela pintura acima
do artista russo Igor Medvedev, escrevi o conto:
Partida: uma escolha
Quem
olhasse de longe logo imaginaria que minha partida estava envolta por uma
atmosfera sombria, nefasta, lúgubre. Mas toda a visão à distância é corrompida
nos detalhes. A mulher, cuja mala era arrastada lentamente pela rua sob o olhar
de um gato empoleirado, não era infeliz ou melancólica. O ambiente externo, de
luz fugaz, um lusco-fusco indeterminado da noite, encobria a efusão contida
daquele ato quase heroico de partir. Porque partir deixou de ser mera fuga.
Partir passou a ser a perspectiva pelo desconhecido, pela aventura, a
oportunidade de descobrir-se em um novo eu, dentro do já conhecido.
A
partida tornava a chegada uma realidade. O incógnito olhar, porém, não saberia
precisar esses sentimentos e haveria de supor, imerso no lugar-comum, se tratar
de fuga, de desespero, de covardia até. E julgamentos precipitados, por mais
que os temesse, não eram de todo desconhecidos, por essa razão pouco refletia
ou me incomodava por despertá-los. Afinal, ao outro cabe esse papel de juiz
porque se fiam nas próprias frustrações ao dar o veredito das ações de outros.
E nesse sentido, por que eu deveria me importar?
Contudo,
seria enganar-me afirmar que esse olhar duvidoso não me incomodava... Mas
assim como deixava que o bonde passasse ruidoso, pois caminhar era uma urgência
da emoção que me impelia nessa nova jornada, não me permitia refletir sobre
tais dúvidas... Era preciso deixar de lado esse olhar que vaticinava um destino
infeliz. Porque mesmo a visão da pequena casinha a minha direita ou as
longínquas torres mais altas à esquerda não me impediriam de olhar apenas e tão
somente para frente. Chegada. Partida. Dentro e fora de mim uma escolha: a de
viver, plenamente, tudo quanto se apresentasse aos meus sentidos embotados pelo
tempo, corroídos pelo espaço, fragmentados pelas experiências...
Nenhum comentário:
Postar um comentário